quinta-feira, dezembro 17

TEXTOS SOBRE O NATAL


SERMÃO DO PRESÉPIO, SEM PALAVRAS

P. Antônio Vieira
Sermão do nascimento
do Menino Deus – Salvador, 1628 (?).


De todo este discurso se segue que o ser infante e mudo o nosso divino Orador de Belém, não lhe é impedimento para poder ensinar. Ensina e fala agora, enquanto homem, como exercitava e falava enquanto Deus:
Deus ensina, deleita-se e triunfa quando nos fala
interiormente, sem estrépito de palavras, “diz Santo Agostinho, falando da Retórica de Deus. Assim como Deus, antes de ser homem, ensinava sem estrépito de palavras, porque falava interiormente aos corações, assim, tanto que nasceu Menino, ensina também sem estrépito de palavras, porque fala exteriormente aos olhos:
Vejamos esta palavra que foi feita
– Demóstenes, o sumo orador da Grécia, perguntado qual era a primeira parte do perfeito orador, respondeu: Actio: Ação
– E perguntado qual era a segunda, tornou a responder: Actio: Ação,
– E perguntado qual era a terceira, respondeu do mesmo modo: Actio: Ação.
– Não declarou as perfeições do orador pelas palavras que se ouvem, senão pelas ações que se vêem.
O mesmo responderei eu a quem me perguntar que ensina o nosso Orador infante, e como ensina? Não ensina com vozes, mas ensina com ações; não ensina o que diz, mas prega o que faz; não diz palavras, mas fala obras.
Este mesmo Orador infante, que agora ensina sem abrir a boca, virá tempo em que a abrirá para ensinar:
Abrindo a sua boca os ensinava (Mt. 5, 2).
O mesmo que então falando há de ensinar, com a palavra, é o que, agora, mudo, brada com as obras:
“Brada com obras o que, depois ensinará por palavras”.
– Que é o que há de ensinar este Menino, que agora é de um dia, ou de uma noite, quando depois for de trinta anos? Há de dizer com palavras:
Bem-aventurados os pobres
Isto é o que já está ensinando, com o desabrigado do portal, com o presépio, com as palhas, e com a falta de todo o necessário:
Não havia lugar para ele na estalagem (Lc. 2, 7).
– Há de dizer com as palavras:
Bem-aventurados os mansos;
Isto é o que já está ensinando o que dantes era leão, feito agora cordeirinho, e com as mãos atadas, sem se queixar da ingratidão e crueldade com que o receberam os seus no mundo, que também é seu:
Veio para o que era seu, e os seus não o receberam (Jo. 1, 11).
Estava no mundo, e o mundo foi feito por ele, e o mundo não o conheceu (ibid. 10).
– Há de dizer com as palavras:
Bem-aventurados os que choram

Isto é o que já está ensinando com as lágrimas e gemidos de recém-nascido, própria condição da natureza, e não impróprias da miséria e estreiteza do presente estado:
Geme o recém-nascido entre as condições da presente realidade”( Hino: Pange Língua).

Sem outro socorro, contra o rigor de uma noite tão fria, como a de vinte e cinco de dezembro, mais que a quentura das mesmas lágrimas, estiladas da fornalha do coração, como devotamente cantou Sanasário:
Derramando lágrimas quentes na noite úmida
Oh! que exclamações!
Oh! que invectivas!
Oh! que brados estão dando contra o mundo os silêncios deste Orador mudo!
Mas, assim como as suas vozes, depois, não hão de ser admitidas de muitos surdos com ouvidos, assim agora as suas ações são mal vistas, e pior imitadas, de muitos cegos com olhos. Ditosos os olhos dos nossos pastores, que, de tudo o que viram no presépio, souberam tirar proveito para si e glória para Deus:
Glorificando e louvando a Deus por tudo o que tinham ouvido e visto (Lc. 2, 20).
Diz o Evangelho não só que viram, senão que ouviram:
“As coisas que ouviram e viram”.
Sendo que no presépio não ouviram palavra alguma, porque as palavras que são feitas, e não ditas, então se ouvem quando se vêem:Vejamos a mensagem que o Senhor nos revelou nos acontecimentos.(Lc. 2,15)

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